Com a evolução da hominização, a espécie humana teve necessidade de se organizar em sociedade, grupos, etnias, para melhor se defender e sobreviver, face à agressividade das circunstâncias naturais. Com a continuação do desenvolvimento, e a sua capacidade imaginativa e racional, o homem foi criando diferentes tipos de sociedade e diferentes estratificações dentro da sociedade. A divisão de tarefas implicou, de acordo com a forma como cada tarefa é valorada, a criação de classes sociais. Desde os tempos imemoriais que esta divisão social se hierarquizou. Ora como os homens, nas suas actividades, não são todos iguais, também nas classes sociais, se instalaram as classes dominantes e as dominadas, que, de acordo com a época histórica, se podiam inverter ou dar origem a revoluções.
Chegamos aos tempos contemporâneos e dos vários regimes políticos, parece que a democracia é o menor mal na governação dos direitos e deveres de cada cidadão. Não devendo ser a arte de bem falar e argumentar, à maneira sofista, para seduzir, manipular, ela devia ser o símbolo da justiça social, da equidade de oportunidades e do direito à liberdade nos mais variados aspectos.
Como é próprio das sociedades humanas, a organização política é cíclica. Há periodicamente revoluções. Constituem-se novos paradigmas de realizar os objectos. Na sociedade portuguesa houve uma revolução ou mudança de paradigma político com vista à realização daqueles objectivos. Prometeram-nos que a subida de nível de vida seria uma realidade para todos; prometeram-nos que com novo regime económico e com as ajudas da CEE, não teríamos necessidades e haveria uma igualdade de classes ( seriamos todos ricos), onde nos livraríamos do sofrimento do trabalho escravo; onde cada um teria direito ao prazer de realizar as suas necessidades sem grandes preocupações. Prometeram-nos e deram-nos um Estado social, que suportaria todas as desigualdades. Prometeram-nos um estado de ataraxia epicurista. Prometeram-nos um Estado de bem-estar, onde não haveria individualismos nem corrupção de interesses. Prometeram-nos um estado social que resolveria os problemas dos mais fracos e proporcionaria a equidade económica e a justiça social. Agora, os valores materiais, que adquiriríamos sem esforço, são a essência da sociedade. Prometeram-nos prestações sociais compensadoras.
Perante isto, o laxismo ético e cultural passou a ser a matriz fundamental para a sobrevivência. O terreno ficou fértil para o liberalismo selvagem, de onde nasceu o consumismo e fomentou a massificação sócio-económica. Os governantes na sua ânsia de poder inundavam-nos com cenários, estatísticas e objectivos que, pela ilusão do sonho, revigoravam a nossa ataraxia. As estruturas políticas foram-se complexificando, na ânsia de o Estado democrático abarcar todos os interesses instalados. Nomearam-se administradores “ad hoc” de acordo com as circunstâncias e “lóbis” correspondentes. As burocracias e instituições estatais aumentaram proporcionalmente ao número de “ jobs for boys” a satisfazer.
Os grandes grupos económicos encontraram o campo propício a manifestarem as suas “habilidades”. Para que o País entre no “pelotão da frente europeia”, dizem, é necessário fazer muitas auto-estradas, grandes aeroportos, TGVs, e outros afins. As pequenas economias e os pequenos agricultores, iludidos pelos subsídios ( a subsídio-dependência), o comércio local, pela fuga dos clientes, para novas soluções, foram estiolando. As populações começaram a ser traídas pela vida e até pelo Estado, dito democrático e social, que as tratava como dependentes. As consequências não se fizeram esperar. A crise instalou-se. Mas não para todas as classes sociais. Certa industria e os campos deixaram de produzir, as aldeias desertificaram-se, os centros das pequenas cidades tornaram-se um deserto. Os interesses e participação culturais deixaram ser atractivos, perante os estímulos mais hedonistas. O desemprego manifestou-se. As famílias começaram a endividar-se para manter a ilusão social adquirida. Dizem, “vivíamos acima das nossas possibilidades”, mas os decisores público, empresários e banqueiros, sempre alimentaram essa vida. Era uma forma de alimentar muitos egos, levando a um o Estado social, que aprisiona e nos aliena nas suas formas, tratando-nos como rebanho acéfalo.
Claro que tudo isto tinha de levar a uma crise mais profunda, não só económica, como ética e política. Agora já se defende que o Estado social, que temos, parece ter os seus dias contados. Os apoios sociais começam a ser retirados. A chamada “sustentabilidade” está a levar a saúde, a educação e a solidariedade social, para a definição de que já não são atributos essenciais do Estado. O sistema económico existente “anda pelas ruas da amargura”. Procuram-se novas alternativas à desertificação. Mas tardam em chegar de forma a satisfazer as necessidades dos locais. Procura-se a solução no turismo cultural, que hoje se quer implementar, mas pelos vistos as populações continuam na mesma, não resolvendo os problemas dos residentes. Afinal que Estado social temos?
Mas, apesar do descontentamento e das interrogações, as populações tornaram-se abúlicas. Perante as incertezas do futuro instalou-se a apatia, a ausência de consciência crítica e a vivência da cidadania. Como diziam os estóicos, “ sustine et abstine – sofre e abstém-te. O que tem que ser tem muita forçar. O destino está marcado e nada podemos fazer contra ele. O “chefe” é que sabe o que é melhor. O fatalismo, próprio do povo Português, está a implementar-se na sociedade civil.
Perante esta apatia, resultante do excesso de ataraxia, do “tempo das vacas gordas”, torna-se necessário revitalizar o tecido social, a sociedade civil, ou até fazer inovação social, onde a humanização e solidariedade, a participação activa, a transparência sejam formas a dar mais coesão social e, todos e cada um, sintam o dever, com direitos, de que vale a pena viver e continuar a aventura da vida social, mais justa e mais equitativa. A participação e vigilância cívica devem ser a atitude filosófica que devemos assumir, para que a organização social seja de todos e não de alguns. Só assim assumiremos a nossa cidadania de homens livres e responsáveis. Muitos têm assumido esta faceta, sendo reconhecidos internacionalmente. Mas o “comum dos mortais” e a “dinâmica” dos políticos, está a alhear-se da responsabilidade que lhes cabe na construção social dos novos tempos. Mas, como alguém disse, “ I can”. Tenhamos motivos para ser positivos.
Covilhã, 10 de Dezembro de 2010
Manuel Bento Fernandes