terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Assassinato de Abraham Lincoln

O assassino encarou no seu rosto cavado e incompetente o justo e esperançoso olhar do seu arqui-inimigo. Ele limpou suavemente mais uma vez o cano da sua pistola, a morte personificada por um brinquedo inocente, sendo o causador dos actos executados por aquele objecto o ser humano e a sua mentalidade mortal e vingativa. Naquela noite, ele iria vingar os sofredores daquele acto tão injusto e irracional. A ele repugnava-o aquela acção de justiça social. Aquele acto de igualdade humana dava uma margem de desigualdade a todo o povo daquele país. Naquele camarote estava situado o seu rival, o causador da sua angústia mental. Naquela noite ele mudaria a História da sua nação. Naquela noite a justiça ecoaria como um grito de desespero por todo o Mundo, mostrando a diferença entre as raças e dando um sentido de justiça a todos os Homens que lutaram pelas ideias que ele defendia. No palco daquele teatro a peça decorria sem interrupções. Naquela noite no camarote presidencial um vulto jazeria, e se não fosse o do presidente seria o dele. Ele limpa mais uma vez o cano da arma que ele carregava nas mãos. Aquele seria o dia da sua vitória, mesmo que padece-se perante a força daquele líder. A Humanidade havia de se lembrar dele incessantemente como o responsável pela mudança dos padrões sociais da sua nação e da sua pátria.
O clandestino invade sub-repticiamente o camarote retirando da sua incómoda casaca a sua arma mortífera e vingativa, apontando despercebidamente à cabeça do presidente. Era aquele o dia da sua mudança. O dia da mudança da justiça do povo americano. A peça decorria calmamente sem interrupções, e o momento oportuno da sua vingança estava próximo. A arma estava limpa, o plano executado e a sua fuga inesperada. Aquela acção mortífera e vingativa havia de o meter no patamar mais alto da igualdade da História Americana. O público, o conjunto de seres humanos que iriam contemplar o erguer daquela nação abafam o som daquele camarote tão discreto. Premindo energeticamente o gatilho da mortalidade daquele objecto, um ligeiro projéctil voa em direcção ao presidente. O som, o resplandecente barulho daquele tiro sacia a raiva daquele ser vingativo. Aquele tombo, aquele suave e despreocupado tombo fascina o assassino. Ele, fruindo das atenções lançadas para o falecido e padecido corpo do 16º Presidente dos Estados Unidos da América salta para o meio da plateia, pondo-se na imprevista fuga gritando com a fome saciada por aquele homicídio de justiça racial “Sic semper tyrannis!”. Naquele dia John Wilkes Booth, assassino do então actual presidente dos Estados Unidos da América mudou a História de um povo, de uma nação, da justiça social e humana.
Francisco Barata

domingo, 30 de janeiro de 2011

...short story...tesoura de podar a realidade...

Percorria o caminho embalado como que numa partitura de um martelo pneumático. As curvas eram apertadas e a ruas eram estreitas e íngremes, com piso irregular, paralelos, a Ford transit bege, serpenteava convulsivamente, escoltada pelos batedores da GNR. A euforia das sirenes azuis, este espectáculo, no mundo em que nasceu, tem sempre uma assistência apaixonada. O lírico aparato na passagem dos condenados, foragidos, julgados, sentenciados, executados, amotinados, que sempre induzem, em quem observa do ramerrão quotidiano, uma velatura estética insólita.
Desde pequeno tivera sempre dificuldade em apertar e desapertar os sapatos, aquele nó real fora sempre algo de intrigante para ele.

Não bramiu um revólver, não disse “isto é um assalto”, não haveria necessidade de chegar a tanto, não era na realidade um assalto, seria insensato, seria incapaz de o fazer, não a alguém que o recebeu no balcão de forma tão simpática, alguém no seu último dia de trabalho, amanhã… a tão merecida e ansiada reforma, exibia uma mudança radical no penteado, iria, a partir de agora, à semelhança de Hillary Clinton, deixar o cabelo crescer pelos ombros, com um gancho agarrando-o no alto da cabeça, imaginou que ela traria na carteira a foto dos netos que comovidamente as exibia aos clientes que lhe dessem mais tempo para a conversa. Ensaiou as palavras exactas: “Ponha todo o dinheiro dentro destes dois sacos! Discretamente! Faço questão que ninguém aqui se magoe”. Por momentos, ela pareceu exibir um olhar sádico de revolta para com aqueles caracóis bem definido, na magia do tioglicolato de amónio, num loiro a condizer com a sua idade, outrora e sempre atrás do balcão, agora deixaria para trás. Uma verdadeira partner dissimulada?
Notícia de última hora: ”O famoso ilusionista Arnold Dwayne nome verdadeito e que manteve como artístico, escapou de uma carrinha celular que tinha acabado de estacionar à porta do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), em Lisboa, para onde tinha sido levado a fim de ser interrogado, após um bem sucedido assalto a uma agência do banco Lennon Brothers na Cruz-de-Pau. O detido encontrava-se algemado a uma corrente que rodeava a cintura da sua túnica cor-de-rosa, tendo estreado as novas algemas love, forradas com pelúcia vermelha, apontadas como de alta segurança.
O ilusionista recolhia, no campo pequeno, os aplausos do seu público enquanto a polícia se deparava com a carrinha celular deserta, conseguindo resgatar as algemas que Dwayne pendurou juntamente com a gravata do condutor do veículo celular na casa de banho do ministério da administração interna, o que levou à demissão imediata do ministro da tutela confrontado com o remoque que alastrou no cisma. O ilusionista, nascido na famosa Peshkopi onde mantém instalado o seu quartel-general, a empresa e de onde continua a expandir o seu rentável negócio e a crescente fama internacional, ficou famoso por casar com a famosa pianista de circo Betje Janneke, e por realizar muitos truques de magia de grande subtileza como levar o actual primeiro-ministro português a copular com um bode troglodita homossexual.
Nunca teve necessidade de explicar os seus truques, a realidade fantástica é mais aceite e menos bizarra que a realidade em si, mesmo depois de desmascarado, no público o truque acciona um disfarçado encantamento na censura interna, uma tesoura de podar a realidade, instalando o bálsamo da ficção.
Desde pequeno tivera sempre dificuldade em apertar e desapertar os sapatos, aquele nó real fora sempre algo de intrigante para ele.


Ana Monteiro

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Novos Talentos Literatura FNAC/TEOREMA

O Atelier de Escrita da Escola Secundária Frei Heitor Pinto concorreu ao "Novos Talentos Literatura FNAC/TEOREMA" apresentando 5 (cinco) contos inéditos, dos seus membros, a concurso.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Esperança

A esperança,
É a crença numa utopia,
É um barco que procura o porto,
É uma palavra que acalma,
É um estado de espírito
Que conforta a solidão
Da imortalidade da alma,
Da tristeza do coração,
Que possibilita a capacidade
Da razão.

A esperança
É uma parte do sentido
Da vida e do desespero
Pois sem tristeza,
Sem dor,
Sem uma despedida,
Não existe esperança
Nem que fosse dada
Ou desperdiçada,
Por parte de quem espera
A sua utopia realizada.

A esperança
É útil no conforto
Mas também causa
Um grande desconforto
Pois causa dor
Haver a impossibilidade
De as esperança serem irrealidade
E serem apenas pó,
Pura utopia,
Algo que não se realiza,
Algo que existe,
Mas não subsiste. 




Francisco Miguel Barata

domingo, 12 de dezembro de 2010

O ESTADO SOCIAL - Da ataraxia à apatia

Com a evolução da hominização, a espécie humana teve necessidade de se organizar em sociedade, grupos, etnias, para melhor se defender e sobreviver, face à agressividade das circunstâncias naturais. Com a continuação do desenvolvimento, e a sua capacidade imaginativa e racional, o homem foi criando diferentes tipos de sociedade e diferentes estratificações dentro da sociedade. A divisão de tarefas implicou, de acordo com a forma como cada tarefa é valorada, a criação de classes sociais. Desde os tempos imemoriais que esta divisão social se hierarquizou. Ora como os homens, nas suas actividades, não são todos iguais, também nas classes sociais, se instalaram as classes dominantes e as dominadas, que, de acordo com a época histórica, se podiam inverter ou dar origem a revoluções.
                Chegamos aos tempos contemporâneos e dos vários regimes políticos, parece que a democracia é o menor mal na governação dos direitos e deveres de cada cidadão. Não devendo ser a arte de bem falar e argumentar, à maneira sofista, para seduzir, manipular, ela devia ser o símbolo da justiça social, da equidade de oportunidades e do direito à liberdade nos mais variados aspectos.
Como é próprio das sociedades humanas, a organização política é cíclica. Há periodicamente revoluções. Constituem-se novos paradigmas de realizar os objectos. Na sociedade portuguesa houve uma revolução ou mudança de paradigma político com vista à realização daqueles objectivos. Prometeram-nos que a subida de nível de vida seria uma realidade para todos; prometeram-nos que com novo regime económico e com as ajudas da CEE, não teríamos necessidades e haveria uma igualdade de classes ( seriamos todos ricos), onde nos livraríamos do sofrimento do trabalho escravo; onde cada um teria direito ao prazer de realizar as suas necessidades sem grandes preocupações. Prometeram-nos e deram-nos um Estado social, que suportaria todas as desigualdades. Prometeram-nos um estado de ataraxia epicurista. Prometeram-nos um Estado de bem-estar, onde não haveria individualismos nem corrupção de interesses. Prometeram-nos um estado social que resolveria os problemas dos mais fracos e proporcionaria a equidade económica e a justiça social. Agora, os valores materiais, que adquiriríamos sem esforço, são a essência da sociedade. Prometeram-nos prestações sociais compensadoras.
Perante isto, o laxismo ético e cultural passou a ser a matriz fundamental para a sobrevivência. O terreno ficou fértil para o liberalismo selvagem, de onde nasceu o consumismo e fomentou a massificação sócio-económica. Os governantes na sua ânsia de poder inundavam-nos com cenários, estatísticas e objectivos que, pela ilusão do sonho, revigoravam a nossa ataraxia. As estruturas políticas foram-se complexificando, na ânsia de o Estado democrático abarcar todos os interesses instalados. Nomearam-se administradores “ad hoc” de acordo com as circunstâncias e “lóbis” correspondentes. As burocracias e instituições estatais aumentaram proporcionalmente ao número de “ jobs for boys” a satisfazer.  
Os grandes grupos económicos encontraram o campo propício a manifestarem as suas “habilidades”.  Para que o País entre no “pelotão da frente europeia”, dizem, é necessário fazer muitas auto-estradas, grandes aeroportos, TGVs, e outros afins. As pequenas economias e os pequenos agricultores, iludidos pelos subsídios ( a subsídio-dependência), o comércio local,  pela fuga dos clientes, para novas soluções, foram estiolando. As populações começaram a ser traídas pela vida e até pelo Estado, dito democrático e social, que as tratava como dependentes. As consequências não se fizeram esperar. A crise instalou-se. Mas não para todas as classes sociais. Certa industria e os campos deixaram de produzir, as aldeias desertificaram-se, os centros das pequenas cidades tornaram-se um deserto. Os interesses e participação culturais deixaram ser atractivos, perante os estímulos mais hedonistas. O desemprego manifestou-se. As famílias começaram a endividar-se para manter a ilusão social adquirida. Dizem, “vivíamos acima das nossas possibilidades”, mas os decisores público, empresários e banqueiros, sempre alimentaram essa vida. Era uma forma de alimentar muitos egos, levando a um o Estado social, que aprisiona e nos aliena nas suas formas, tratando-nos como rebanho acéfalo.
 Claro que tudo isto tinha de levar a uma crise mais profunda, não só económica, como ética e política. Agora já se defende que o Estado social, que temos, parece ter os seus dias contados. Os apoios sociais começam a ser retirados. A chamada “sustentabilidade” está a levar a saúde, a educação e a solidariedade social, para a definição de que já não são atributos essenciais do Estado. O sistema económico existente “anda pelas ruas da amargura”. Procuram-se novas alternativas à desertificação. Mas tardam em chegar de forma a satisfazer as necessidades dos locais. Procura-se a solução no turismo cultural, que hoje se quer implementar, mas pelos vistos as populações continuam na mesma, não resolvendo os problemas dos residentes. Afinal que Estado social temos?
 Mas, apesar do descontentamento e das interrogações, as populações tornaram-se abúlicas. Perante as incertezas do futuro instalou-se a apatia, a ausência de consciência crítica e a vivência da cidadania. Como diziam os estóicos, “ sustine et abstine – sofre e abstém-te. O que tem que ser tem muita forçar. O destino está marcado e nada podemos fazer contra ele. O “chefe” é que sabe o que é melhor. O fatalismo, próprio do povo Português, está a implementar-se na sociedade civil.
 Perante esta apatia, resultante do excesso de ataraxia, do “tempo das vacas gordas”, torna-se necessário revitalizar o tecido social, a sociedade civil, ou até fazer inovação social, onde a humanização e solidariedade, a participação activa, a transparência sejam formas a dar mais coesão social e, todos e cada um, sintam o dever, com direitos, de que vale a pena viver e continuar a aventura da vida social, mais justa e mais equitativa. A participação e vigilância cívica devem ser a atitude filosófica que devemos assumir, para que a organização social seja de todos e não de alguns. Só assim assumiremos a nossa cidadania de homens livres e responsáveis. Muitos têm assumido esta faceta, sendo reconhecidos internacionalmente. Mas o “comum dos mortais” e a “dinâmica” dos políticos, está a alhear-se da responsabilidade que lhes cabe na construção social dos novos tempos. Mas, como alguém disse, “ I can”.  Tenhamos motivos para ser positivos.

 Covilhã, 10 de Dezembro de 2010
                                                                                                  Manuel Bento Fernandes

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Tão só

(No nosso Atelier de Escrita decidimos produzir uma letra para uma canção do Tony Carreira, mesmo não sendo aficionados do cantor nem desta forma de escrita, mas  reconhecendo o seu importante papel social, isto torna o desafio mais aliciante e nada, mas mesmo nada, fácil... como se diz agora: "saímos da nossa zona de conforto"...)

Os meus pesados passos eram lentos como nunca
tardando mais um outro, que haveria ter de dar.
Olhei então em volta, estranhando o teu silêncio
Eram apenas lágrimas, a forma deste andar

O brilho nas estrelas, apagava o meu sentir
Perdi-lhe todo o rasto, sem caminho a percorrer
Olhei então em volta, estranhando o teu silêncio
Era teu adeus, muito além do querer.
 
Eu estava ali tão só
Eu estava ali sem nada
Arrastando-me em meus pés,
Era sempre mesma estrada

Eu estava ali tão só
Eu estava ali sem nada
Nada mais em minhas mãos
Era sempre a mesma estrada

Os meus pesados passos, vadiavam no passado
Ficaste tal e qual, indiferente à minha dor
O meu perdido corpo, o silêncio em tuas mãos.
Negando doçura, brilho e calor.

Eu estava ali tão só
Eu estava ali sem nada
Arrastando-me em meus pés,
 Era sempre mesma estrada

Eu estava ali tão só
Eu estava ali sem nada
Nada mais em minhas mãos
Era sempre a mesma estrada
Ana Monteiro

Lembrança de Amor

(No nosso Atelier de Escrita decidimos produzir uma letra para uma canção do Tony Carreira, mesmo não sendo aficionados do cantor nem desta forma de escrita, mas  reconhecendo o seu importante papel social, isto torna o desafio mais aliciante e nada, mas mesmo nada, fácil... como se diz agora: "saímos da nossa zona de conforto"...)

Houve em tempos um lugar.
Onde conheci o amor,
Onde descobri o teu sorriso.
Leve e sem dor,
Onde aprendi a sonhar.
Onde aprendi a viver,
E viver a cantar.

Foram tempos de libertação,
De vestes de latão,
De risos e euforia.
Tempos de paixão,
Tempos de coração,

Foram vidas com muitas vidas
Vidas com muitas lidas.
Vidas de amor e dor,
Em que o sonho de te cantar,
Era apenas para te amar.

Tempos idos, estes de cor.
Em que o teu amor,
Alimentava o meu fervor.
O teu sorriso
Enchia corações,
E as minhas canções.
Tempos de alegria,
Tempos de fantasia.
Em que a vontade de ser cantor,
Era apenas para cantar o teu esplendor.

Eram tempos de magia,
De verdadeira utopia,
Em que o sentir era apenas viver
E vivia apenas para te ver.
Cantava-te odes de amor,
Tal um galanteador,
Para a sua dama enamorar
Com versos de encantar.

Mas os tempos mudaram
Teu brilho desapareceu e a minha voz
Começou a cantar dor
Tempos nos quais apareceste
Com um traidor,
Um falso cantor.
E com essa traição,
Destruíste o meu amor,
A minha canção,
E a minha paixão.

Relembro os tempos,
No quais eu vivi,
No quais eu sorri,
No qual aprendi,
A dizer amor
E também dor.
 Francisco Barata

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Algo Bravia

Algo bravia
Mas de raízes fortalecidas
Pela dureza
Da agreste encosta da serra
Assim são as flores
Campestre
Irradiam tanta beleza
Transmitem segurança
Na dureza da vida
Ester (Encarregada de Educação)

domingo, 21 de novembro de 2010

Novos Talentos Literatura

Frenesim na Meia-Idade

- Olha. Olha quem está ali!
- Quem? O empregado?
- Não… aquele senhor com um casaco de cabedal luzidio sentado ao lado do balcão. Aquele com ar penteadinho.
- Não… não pode ser... Não é ele.
- Estou-te a dizer que é ele… olha bem. Vês como tenho razão?
- Ele agora também fuma? Nunca o vi fumar.
- Achas que ele fumava à frente das câmaras? Só se fosse uma marca de cigarros bem cara e mesmo assim duvido…
- Como é que uma pessoa como ele vem a este sítio tão “subúrbio”, com um cheiro tão reles?
-Olha, pediu um café. Agora está a mexê-lo, mas não deitou açúcar! Como é que ele consegue beber um café com um sabor tão amargo? Até me sinto mal por estar no mesmo café com uma pessoa com a sua classe, quanto mais beber do mesmo café!...assim sem classe nenhuma.
- Eu estou espantado! Já viste que o almoço dele é apenas café e cigarros… como é que é possível ele comer só isto?
- Deixa-me olhar bem para ele! É mesmo ele. Está velhote. Na televisão parece mais jovem.
- Ainda não acredito que seja ele…
- Mas olha que é.
- Ele levantou-se e vai sair. Ele vai sair!
- How are you this morning? Are you fine? Bye.
- Não posso. Ele falou para nós! Ele falou para nós!
- Podia morrer agora, e morria feliz… o meu actor preferido no nosso café, e ainda por cima, dirigiu-nos a palavra… como é que é possível? Ele é tão chique. Viste a classe dele. E o casaco tão fino.
- Deve ter-nos visto a conversar sobre ele…
- Pois, se calhar, foi.
- Boa tarde o que é que vão desejar?
- Café.
- E cigarros.
- Café e cigarros.
Francisco Barata

sábado, 20 de novembro de 2010

Transparente Opaco

 Como falar se são os lábios que nos tocam? Como viver estando preso dentro de um armário de madeira sem nunca ser tocado pelo calor e aconchego dos dedos, dormindo e vivendo silenciosamente ao lado de muitos outros iguais a nós? Como viver sentindo-nos culpados por não sermos de cristal mas apenas de vidro cobertos de pó? Desde que fora feito pelas mãos toscas e cheias de calos do vidreiro que o meu sonho era entrar nos salões de festa da Casa de Verão. Ver os cristais a reflectir a luz dos candeeiros dependurados e olhar para os azulejos, que cobriam toda a superfície, nos quais se dançavam valsas com passos leves e suaves como a brisa do vento. O meu desgosto de morte nesta vida era não ser de cristal, não dar luz, não ter beleza. Não ser como os que me rodeiam e saem à noite onde acontece magia, onde são acariciados, imaculados e não estão cobertos de pó. Onde não são esquecidos.ler mais aqui
Francisco Barata

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Homenagem a Fernando Pessoa

Triste ser aquele,
Que inveja a vida de seu gato
Enquanto escreve cartas ridículas
E deseja ser pó da estrada
Relembrando a meninice
Em que brincava com a rapaziada
E era indiferente ao mundo.  

Dono da solidão
Que caminhando,
 Pela poeira do chão
Olha para o cinzento do mar
E chora pelos navegadores portugueses 
Que se perderam no limiar do horizonte
E que não conseguiram voltar.

Chora lágrimas salgadas
Enquanto joga
Um contínuo jogo de xadrez
Na calçada do Chiado
Bebendo o café que,
 Lhe traz a esperança
De voltar a ser criança.

Entre outros,
Foi Reis, Campos e Caeiro.
Mas nunca foi só Pessoa.
Nunca foi inteiro.
Quis ser grande e foi.
Quis ser mais do que Pessoa
E ainda o é.
Para ser grande,
Quis ser um todo dividido.
Um todo unido,
Pela poesia,
Pela escrita,
Por um soneto que esquecia.

Triste destino o do cego,
Que canta pela estrada
Enquanto o seu coração,
Lentamente se quebra,
Na fresca noite de silêncio,
Na fresca noite calada.
Francisco Barata

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

a fava de colombo

No Verão de 2009, ao passear à beira-mar na Praia da Vieira, encontrei uma semente como nunca tinha visto, com a forma de um disco achatado e cerca de 3cm de diâmetro. Pensei como é que ela poderia ali ter chegado. Poderia ter vindo a flutuar desde zonas tropicais, ou poderia ter sido lançada de um navio, o refugo de contentores que transportam plantas secas que estão à venda nas lojas de decoração... Levei-a para casa e guardei-a.
Alguns meses mais tarde, estava a ver na BBC Prime um episódio da série "Coast", quando mostraram um indivíduo que, numa aldeia da costa inglesa, se dedicava a coleccionar objectos trazidos pelo mar. Mostraram o barracão onde ele guardava o espólio e um caixote cheio de sementes iguais à minha. Fiquei a saber que em inglês se chamam "sea hearts", corações do mar.
Uma pesquisa na net levou-me ao fascinante mundo das sementes e frutos que flutuam nos oceanos da Terra. Há muitas dezenas de espécies, provenientes em especial das zonas tropicais. Algumas percorrem distâncias enormes e podem manter-se a flutuar durante trinta anos. Há pessoas que as estudam, coleccionam e comercializam, muitas são usadas na bijutaria. A minha semente pertence a uma espécie de leguminosa trepadeira da Améica do Sul, Entada gigas, abundante nas bacias do Amazonas e do Orinoco, cujas vagens podem atingir 2 metros de comprimento. Ao caírem nos rios são levadas até ao mar e seguem para norte, na corrente do Golfo acabando algumas por atingir as praias da Europa ocidental.Tradicionalmente foram usadas para fazer porta-moedas ou como talismã para os marinheiros. A recolha dessas sementes nas costas europeias, antes da época dos descobrimentos, deu origem a muitas lendas de terras submersas ou de terras distantes. Diz-se que estas sementes, conhecidas nos Ares como "favas de Colombo", terá inspirado Cristovão Colombo na procura do Novo Mundo.
Para saber mais, pesquisar "seabeans", ou consultar:
http//waynesword.palomar.edu/plmay97.htm
Jaime braz

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Clima

O frio não me assusta.
Não me mantem preso em casa!
A mim o que mais me custa
sou eu, prisão de mim próprio...

Às vezes chego a sentir ódio
de mim, ou até pena.
Já sonhei que o ópio
será o fim, a salvação da minha vida terrena.

...
O calor a mim não me afronta.
Não me faz perder a respiração!
O que me sufoca e confronta
sou eu, que não me largo por um momento...

Quem me dera por vezes ficar isento
de mim mesmo por uns instantes!...
A vida seria minha, e o vento
saberia a fresco, como o sorriso de dois amantes.

O clima para mim é tudo,
senão não teria distracção.

Francisco Pires

terça-feira, 9 de novembro de 2010

...cafés e cigarros...

- reclamo para mim a inocuidade da minha traição, não consta dos acontecimentos trágicos, mas do revelado fetichismo da vida quotidiana.
- traição e inocuidade? inimigos irreconciliáveis nos dogmas petrificados da vida quotidiana. pagaste o serviço?
- tal atitude não se me revelou explicitamente importante.
- mas é claro que evidencia toda a importância, porque a procuraste?
- pelo amor incondicional que te tenho! pelo amor que me dizes ter. não posso dispensar esse amor. e tu? porque só agora me desprezas?
- pelo amor incondicional que te tinha, pelo erro grosseiro da tua traição, estou prisioneira dos petrificados dogmas da vida quotidiana.
- reclamo a inoquidade da minha traição, alheia a citações da tomada de consciência, tinha de te trair, estive enclausurado no meu amor, convulsiva teia de excremento! a traição era o acto e não a flecha. cativo naquele trágico escolho de insatisfação de ocupante do cais, enganando o tempo em cafés e cigarros... transbordando na vontade de fazer a romaria das artérias. anoitecias "mulher da noite doente em que os homens se perdem", eu transbordando de vontade de desfolhar a algazarra.
-traíste-me!
- como ousas? não alterei nenhuma das tuas regras, não abusei da tua vergonha, afinal foi pelo amor incondicional que te tenho. não posso dispensar esse amor. e tu? porque só agora me desprezas? ela libertou-te da fúria dos teus ciúmes,porque só agora não te deitas comigo?
- inverteste as leis naturais, não vejo utilidade nessa tua falsa consciência! não vejo utilidade em secar o calafrio do pêndulo.
- reclamo para mim a inocuidade da minha traição.
ana monteiro

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

...didascália...

Quão ténue será a linha que separa a realidade da imaginação? Será que conseguiremos distinguir em que mundo, em que dimensão estamos embrenhados? A quantos passos estaremos da loucura? Ou, vendo as coisas de outro prisma, a quantos passos estaremos da sanidade mental?
E se passarmos a vida a fazer-mo-nos passar por outros? Olhar-mo-nos todos os dias ao espelho e vermos todos os dias alguém diferente...conviver todos os dias com personalidades diferentes. Como é que lidamos quando numa noite morremos e minutos depois pedem-nos para fazer uma vénia perante uma audiência que aplaude entusiasticamente...o quê?...os pedaços da minha vida, a minha morte, o meu renascer das cinzas, o meu ressuscitar? O meu declínio...
Este é o momento certo para escrever sobre este tormento, porque tenho consciência, sou um espectador exterior do meu próprio percurso e estou a ver-me atravessar uma fronteira...
Jovem, audaz, perspicaz, capaz, competente, revejo-me a tomar a decisão, a optar por uma vida difícil, não habitual, pouco ortodoxa...não o típico rapaz que tira o curso de engenharia ou outra coisa qualquer, foi um exemplo escolhido ao acaso, admitindo que há acasos. Os primeiros papéis...tudo bem, os anos passam. Já me apaixonei vinte uma vezes, doze das quais fui bem sucedido, já matei quatro vezes, uma a mim próprio, fui homem quarenta vezes, mulher três, criança cinco, idoso dez, pai oito, animal uma vez, rei seis, soldado duas, escravo uma, cantor vinte, morri trinta e uma vezes...esta é uma das minhas vidas, não me perguntem qual, não sei responder, o que vejo é dúbio...
Depois vejo um casamento, um divórcio, um filho, uma casa, um apartamento, uma garrafa vazia...
Ambas as imagens são pitorescas, qual escolhiam? Mais importante, qual escolhi? Mais importante o que é que tanto aplaudem? Parem de se levantar, de sorrir tanto!
Já não consigo distinguir nada e dói-me a cabeça e eu já morri entendem? Então porque é que continuo a acordar e a morrer e a acordar? Porquê esta repetição incessante de um cenário já meu conhecido? Eu...será que eu fiz...fiz algo de errado? Morri mal? Pode-se morrer mal? Eu sou actor? Eu sou homem? Eu sou um homem que é actor...um actor que é homem...é, é, será possível ser ambos? Porque é que aplaudem? Sou um actor a fazer de actor? Um homem a fazer de homem? Um homem pode fazer de homem? É ... isto é aflitivo, sinto uma pedra de toneladas sobre o meu peito e custa...respirar...entendem? Porque é que aplaudem?
(Aplausos)
Que didascália é esta? Será a minha vida uma didascália à espera de ser seguida? Não? Era um monólogo? Era só um monólogo, um papel?
Mas porque é que aplaudem?...
Laura Silva

...coada do pensamento...

a vida corre no seu vagar
de resto e ao fim-ao-cabo
adivinha-se na cantaria dos ossos

a vida corre no altar clandestino
de resto e ao fim-ao-cabo
adivinha-se na coada do pensamento

a vida corre nos carrilhões impressos
de resto e ao fim-ao-cabo
adivinha-se no rebordo da rotina

e se alguém chegasse agora
na esperança de que chegasse um dia…
Ana Monteiro

...simetria...

(Algures numa aldeia histórica portuguesa, um casal)
Sujeito A: Hum o bar é capaz de estar fechado, a um domingo…
Sujeito B: Está sempre aberto, pelo menos sempre que cá vim estava aberto.
Sujeito A: Ah, pois está, entra.
(Entram, um bar rústico, constituído por duas divisões, uma logo à entrada e uma outra mais recôndita)
Sujeito B: Vamos para aquela sala, é mais engraçada.
(Sentam-se numa mesa de madeira onde consta um cinzeiro limpo. As paredes são de pedra e estão decoradas por quadros amadores e pratos decorativos representativos da região. Há umas escadas que conduzem para uma divisão superior que está mobilada de modo característico. Um homem vai à casa de banho. O jovem casal olha-se e riem-se)
Sujeito B: (sussurrando) Viste? Não lavou as mãos…
Sujeito A: E acho que é quem nos vai servir.
Sujeito B: Não gozes comigo sim?
(Risos)
Sujeito A: Acho que temos que ser nós a ir lá. O que é que queres? Queres amêndoa amarga? Licor beirão?
Sujeito B: Não me apetece. Estou com frio acho que quero uma caneca grande de café quentinho. Bebe tu uma macieira que gostas tanto! (Ri-se)
Sujeito A: Sim, pago e fico outra vez a olhar para aquela porcaria durante horas, só o cheiro…Sendo assim também bebo café. Queres comer?
Sujeito B: Querer queria mas a montra de bolos, bem digamos que não sei de onde vem o nome porque não tem bolos, só um queijo da serra partido.
Sujeito A: A sério? Deixa lá, comemos depois. Já venho.
Sujeito A: Tenho uma boa notícia e uma má notícia, qual queres primeiro?
Sujeito B: Primeiro a boa.
Sujeito A: Há café! Ah Ah
Sujeito B: E a má?
Sujeito A: Quem vai servir é…
Sujeito C: Aqui estão os cafezinhos.
Sujeito B: O gajo que não lavou as mãos…o que vale é que não sou uma pessoa que tenha assim nojo.
Sujeito A: É tudo natural!
Sujeito B: Exacto, exacto. Ah tão quentinho o café, esta terra é gelada, pior que a nossa. Devia ter vindo melhor agasalhada.
Sujeito A: Sim, já sabias que era assim, não vieste cá muita vez?
Sujeito B: Sim, sim. Quando era miúda vinha muito com os meus pais. Era engraçado, visitar castelos com eles, subi-los cheia de coragem e orgulho de mim própria e depois ficar lá em cima a chorar com medo de descer…(esboça um sorriso)
Sujeito A: A sério? Típico. Há bocado também estavas muito corajosa a tirar fotos aos cemitérios, às campas e depois toco-te no ombro e gritas (ri-se).
Sujeito B: Oh, não foi por estar num cemitério, ia-me assustar estivesse onde estivesse sim?!
Sujeito A: Sim, sim, mas porquê entrar lá, porquê a curiosidade?
Sujeito B: Não sei…acho os cemitérios muito bonitos, pacíficos, obviamente. Gosto de ver os que lá habitam. Ver as caras, os nomes, as datas, o que está escrito nas lajes…
Sujeito A: És mórbida…
Sujeito B: Nada disso, nada disso. É uma realidade ou não? Uma certeza, a única talvez…
Sujeito A: Sim mas…
Sujeito B: E reparaste na quantidade de pessoas que lá estavam que morreram no ano em que nós nascemos?
Sujeito A: Não estás a pensar falar sobre reencarnação pois não?
Sujeito B: Não, estou só a comentar dois factos, não a relacionar ou conjugar. Coincidências.
(Sujeito A tira toda a parafernália necessária para enrolar um cigarro)
Sujeito B: Pode-se fumar aqui?
Sujeito A: A mesa tem cinzeiro.
Sujeito B: Mas está ali um sinal a dizer que é proibido…oh, mas se disserem alguma coisa dizes que vimos o cinzeiro e pensámos que se podia fumar.
(Sujeito B tira um maço de Marlboro)
Sujeito A: (Com o filtro no canto da boca) Então e quando morreres que queres que grave na tua lápide?
Sujeito B: Depois eu é que sou mórbida?!
Sujeito A: Desculpa, é uma realidade!
Sujeito B: Engraçadinho, que engraçadinho. Eu respondo, mesmo sabendo que tu vais morrer primeiro porque és mais velho, homem e tratas-te pior do que eu!
Sujeito A: Tche que generalização!
Sujeito B: Bem acho que é redutor da minha vida se tudo o que tiverem a dizer for: “Esposa, mãe, avó amada e dedicada.” Por isso, aponta.
Sujeito A: Estás a falar a sério??
Sujeito B: Estás-me a ver a rir?! (Rindo-se)
Sujeito A: Por acaso sim, mas espera…
(Volta com um guardanapo e uma caneta)
Sujeito A: Força!
Sujeito B: “Espírito livre, carreira brilhante, vencedora de um (ou mais, logo se vê) Óscar, três globos de ouro, (depois revemos o resto dos prémios), companheira de vida fiel, apaixonada e apaixonante, mãe exemplar (do seu filho único), melhor avó do mundo…”
Sujeito A: Pára, pára já não tenho espaço no guardanapo! Acho que só falta acrescentar: extremamente humilde não?
(Risos)
(sujeito B sopra fumo propositadamente para a cara de sujeito A)
Sujeito A: Sim, isso afecta-me imenso porque eu nem sequer fumo não é?
Sujeito B: Não fumas esta marca! Ah ah Olha já reparaste que está ali uma guitarra? Pergunta lá se podes tocar…
Sujeito A: Queres que te faça uma serenata aqui é? Senhora espírito livre?
Sujeito B: Vá lá…
(Sujeito A levanta-se volta a aparecer com a guitarra)
Sujeito A: Acho que não vou poder fazer-te a serenata…
Sujeito B: Então?! Está desafinada?
Sujeito A: Não sei…
Sujeito B: Então? Então?
Sujeito A: É uma guitarra para esquerdinos! Repara, tem as cordas trocadas, anda cá, senta-te ao pé de mim, experimenta.
Sujeito B: Que estranho! Assim aprendem os acordes da mesma maneira que os destros.
Sujeito A: Se continuares a tentar tocar vamos ser expulsos daqui!
Sujeito B: Ah ah ah experimenta tu então!
Sujeito A: Não, não vou estragar a minha reputação.
Sujeito B: Qual?
Sujeito C: Olhem, desculpem, mas não se pode fumar aqui.
Sujeito A: Desculpe, é que como a mesa tinha um cinzeiro afinal era mesmo decorativo, vês, eu tinha-te dito! (ri-se de maneira matreira)
(Sujeito B abre a boca esboçando um sorriso espantada perante a acusação falsa)
Sujeito A: Hum…é possível levar o café?
Sujeito C: Ah…temos copos de plástico
Sujeito B: Pode ser, pode ser.
Sujeito C: Volto já então.
Sujeito A: Café sem cigarros…
Sujeito B: Não é café. E cigarros sem café…
Sujeito A: Não são cigarros…
(Levantam-se, sujeito A coloca o braço sobre sujeito B, caminham para a porta do café, param na saída, beijam-se, fumam, dão um gole no café e continuam andar. Simetria total)
Laura Silva