segunda-feira, 8 de novembro de 2010

...didascália...

Quão ténue será a linha que separa a realidade da imaginação? Será que conseguiremos distinguir em que mundo, em que dimensão estamos embrenhados? A quantos passos estaremos da loucura? Ou, vendo as coisas de outro prisma, a quantos passos estaremos da sanidade mental?
E se passarmos a vida a fazer-mo-nos passar por outros? Olhar-mo-nos todos os dias ao espelho e vermos todos os dias alguém diferente...conviver todos os dias com personalidades diferentes. Como é que lidamos quando numa noite morremos e minutos depois pedem-nos para fazer uma vénia perante uma audiência que aplaude entusiasticamente...o quê?...os pedaços da minha vida, a minha morte, o meu renascer das cinzas, o meu ressuscitar? O meu declínio...
Este é o momento certo para escrever sobre este tormento, porque tenho consciência, sou um espectador exterior do meu próprio percurso e estou a ver-me atravessar uma fronteira...
Jovem, audaz, perspicaz, capaz, competente, revejo-me a tomar a decisão, a optar por uma vida difícil, não habitual, pouco ortodoxa...não o típico rapaz que tira o curso de engenharia ou outra coisa qualquer, foi um exemplo escolhido ao acaso, admitindo que há acasos. Os primeiros papéis...tudo bem, os anos passam. Já me apaixonei vinte uma vezes, doze das quais fui bem sucedido, já matei quatro vezes, uma a mim próprio, fui homem quarenta vezes, mulher três, criança cinco, idoso dez, pai oito, animal uma vez, rei seis, soldado duas, escravo uma, cantor vinte, morri trinta e uma vezes...esta é uma das minhas vidas, não me perguntem qual, não sei responder, o que vejo é dúbio...
Depois vejo um casamento, um divórcio, um filho, uma casa, um apartamento, uma garrafa vazia...
Ambas as imagens são pitorescas, qual escolhiam? Mais importante, qual escolhi? Mais importante o que é que tanto aplaudem? Parem de se levantar, de sorrir tanto!
Já não consigo distinguir nada e dói-me a cabeça e eu já morri entendem? Então porque é que continuo a acordar e a morrer e a acordar? Porquê esta repetição incessante de um cenário já meu conhecido? Eu...será que eu fiz...fiz algo de errado? Morri mal? Pode-se morrer mal? Eu sou actor? Eu sou homem? Eu sou um homem que é actor...um actor que é homem...é, é, será possível ser ambos? Porque é que aplaudem? Sou um actor a fazer de actor? Um homem a fazer de homem? Um homem pode fazer de homem? É ... isto é aflitivo, sinto uma pedra de toneladas sobre o meu peito e custa...respirar...entendem? Porque é que aplaudem?
(Aplausos)
Que didascália é esta? Será a minha vida uma didascália à espera de ser seguida? Não? Era um monólogo? Era só um monólogo, um papel?
Mas porque é que aplaudem?...
Laura Silva

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