Acordo, mais uma vez, para um mundo, um mundo no qual não posso desfrutar dos pequenos prazeres da vida. Um mundo onde não passo de um eterno e atento espectador. Sirvo de suporte ao elixir, ao soro da verdade, saceio os felizes, os infelizes, os infelizes que se fazem passar por felizes e os felizes inconscientes da sua infelicidade.
Nasci para servir os outros, sem me poder servir deles...fui dotado desta consciência que me atormenta diariamente, relembrando-me que eu, enquanto EU, não existo, existo apenas como ser inanimado. Não tive escolha, o único pensamento que ainda me alegra é que esses, os Homens, os suprasumos de tudo o que vive também podem não se sentir bem com eles próprios, podiam até preferir ser como eu, parte de um serviço de cristal de um bar! Não?!
Ontem tentei suicidar-me, quer dizer, tentei que alguém me assassinasse, passei a noite toda à ponta de um balcão à espera de levar uma cotevelada, cair e estilhaçar-me todo no chão! Mas nada...em vez disso passei a noite a assistir ao doce acariciamento das minhas bordas, uma volta, um sorriso, outra volta, uma palavra e ainda outra volta, os lábios tocavam-me e a marca do seu baton rasca ficava na minha superfície, o perfume igualmente rasca começava a provocar-me náuseas. Tinha a tez pálida, consegui concluí-lo após muito esforço a observar atentamente para além da maquilhagem altamente rebuscada, o cabelo ruivo, longo e com laca, o vestido preto, bastante folclórico. Chamava à atenção, errada, mas chamava.
Era algo inconstante, pois ora me abandonava e me deixava concentrar na minha tentativa de suícidio, ora voltava mais despenteada, com a maquilhagem desfeita, uma vez até trazia os collants rotos... Esta situação repetia-se sempre após a chegada de cada novo pretendente.
Uma vez, pouco depois de ter regressado, sabe-se lá de onde, levou-me para a casa de banho. Pensei que seria ali que me ia quebrar. Pousou-me num lavatório instável, fiquei esperançoso. Olhou-se ao espelho, cuspiu no seu reflexo com asco e começou a maquilhar-se, a pentear-se, mudou de meias, deu um gole em mim, levou-me embora, pousou-me no balcão e partiu. Deixou-me, literal e metaforicamente falando, vazio e desgastado...
Após o encontro perturbante de ontem, hoje penso que o que almejo está mais perto, pois temos um empregado novo! Será degradante morrer numa lavagem de louça? Mas se a grande raça também morre heroicamente afogado o mesmo se aplica a mim, não?!
Enquanto aguardo a hora em que serei livre, livre desta minha condição, que levaria tantos à demência, eu prolongo por mais alguns instantes o meu monólogo interior.
É ela?! É ela...voltou. Bem e aqui estou eu a ser cheio e a voltar para ela...
Aproxima-se alguém de nós, suponho que vá haver uma "excursão". Mas desta vez parece que eu também vou! Era só o que me faltava, olha que trio que eu arranjei, olha que...espera, talvez caia! Esta é na verdade uma óptima oportunidade. Entramos num quarto. Ele beija-a, eu abano, ela empurra-o, ele balbucia algo desdenhoso, pega-me e embat na cara de pânico dela!
Nasci para servir os outros, sem me poder servir deles...fui dotado desta consciência que me atormenta diariamente, relembrando-me que eu, enquanto EU, não existo, existo apenas como ser inanimado. Não tive escolha, o único pensamento que ainda me alegra é que esses, os Homens, os suprasumos de tudo o que vive também podem não se sentir bem com eles próprios, podiam até preferir ser como eu, parte de um serviço de cristal de um bar! Não?!
Ontem tentei suicidar-me, quer dizer, tentei que alguém me assassinasse, passei a noite toda à ponta de um balcão à espera de levar uma cotevelada, cair e estilhaçar-me todo no chão! Mas nada...em vez disso passei a noite a assistir ao doce acariciamento das minhas bordas, uma volta, um sorriso, outra volta, uma palavra e ainda outra volta, os lábios tocavam-me e a marca do seu baton rasca ficava na minha superfície, o perfume igualmente rasca começava a provocar-me náuseas. Tinha a tez pálida, consegui concluí-lo após muito esforço a observar atentamente para além da maquilhagem altamente rebuscada, o cabelo ruivo, longo e com laca, o vestido preto, bastante folclórico. Chamava à atenção, errada, mas chamava.
Era algo inconstante, pois ora me abandonava e me deixava concentrar na minha tentativa de suícidio, ora voltava mais despenteada, com a maquilhagem desfeita, uma vez até trazia os collants rotos... Esta situação repetia-se sempre após a chegada de cada novo pretendente.
Uma vez, pouco depois de ter regressado, sabe-se lá de onde, levou-me para a casa de banho. Pensei que seria ali que me ia quebrar. Pousou-me num lavatório instável, fiquei esperançoso. Olhou-se ao espelho, cuspiu no seu reflexo com asco e começou a maquilhar-se, a pentear-se, mudou de meias, deu um gole em mim, levou-me embora, pousou-me no balcão e partiu. Deixou-me, literal e metaforicamente falando, vazio e desgastado...
Após o encontro perturbante de ontem, hoje penso que o que almejo está mais perto, pois temos um empregado novo! Será degradante morrer numa lavagem de louça? Mas se a grande raça também morre heroicamente afogado o mesmo se aplica a mim, não?!
Enquanto aguardo a hora em que serei livre, livre desta minha condição, que levaria tantos à demência, eu prolongo por mais alguns instantes o meu monólogo interior.
É ela?! É ela...voltou. Bem e aqui estou eu a ser cheio e a voltar para ela...
Aproxima-se alguém de nós, suponho que vá haver uma "excursão". Mas desta vez parece que eu também vou! Era só o que me faltava, olha que trio que eu arranjei, olha que...espera, talvez caia! Esta é na verdade uma óptima oportunidade. Entramos num quarto. Ele beija-a, eu abano, ela empurra-o, ele balbucia algo desdenhoso, pega-me e embat na cara de pânico dela!
SILÊNCIO
É o fim, vejo os meus fragmentos, vejo-a impávida e serena, de olhar frio, distante e estático. Mas...mas eu ainda penso! Neste momento invejo-a, ela roubou-me a vez, era a minha vez, a minha vez...
Enfim, passei de compacto e uno, pensante e atormentante a nada mais do que estilhaços, fragmentos, pensantes e atormentantes. Múltiplos de mim cujas vozes ecoam "Não há fim, só ha eterno" ...
Laura Silva
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