segunda-feira, 8 de novembro de 2010

...simetria...

(Algures numa aldeia histórica portuguesa, um casal)
Sujeito A: Hum o bar é capaz de estar fechado, a um domingo…
Sujeito B: Está sempre aberto, pelo menos sempre que cá vim estava aberto.
Sujeito A: Ah, pois está, entra.
(Entram, um bar rústico, constituído por duas divisões, uma logo à entrada e uma outra mais recôndita)
Sujeito B: Vamos para aquela sala, é mais engraçada.
(Sentam-se numa mesa de madeira onde consta um cinzeiro limpo. As paredes são de pedra e estão decoradas por quadros amadores e pratos decorativos representativos da região. Há umas escadas que conduzem para uma divisão superior que está mobilada de modo característico. Um homem vai à casa de banho. O jovem casal olha-se e riem-se)
Sujeito B: (sussurrando) Viste? Não lavou as mãos…
Sujeito A: E acho que é quem nos vai servir.
Sujeito B: Não gozes comigo sim?
(Risos)
Sujeito A: Acho que temos que ser nós a ir lá. O que é que queres? Queres amêndoa amarga? Licor beirão?
Sujeito B: Não me apetece. Estou com frio acho que quero uma caneca grande de café quentinho. Bebe tu uma macieira que gostas tanto! (Ri-se)
Sujeito A: Sim, pago e fico outra vez a olhar para aquela porcaria durante horas, só o cheiro…Sendo assim também bebo café. Queres comer?
Sujeito B: Querer queria mas a montra de bolos, bem digamos que não sei de onde vem o nome porque não tem bolos, só um queijo da serra partido.
Sujeito A: A sério? Deixa lá, comemos depois. Já venho.
Sujeito A: Tenho uma boa notícia e uma má notícia, qual queres primeiro?
Sujeito B: Primeiro a boa.
Sujeito A: Há café! Ah Ah
Sujeito B: E a má?
Sujeito A: Quem vai servir é…
Sujeito C: Aqui estão os cafezinhos.
Sujeito B: O gajo que não lavou as mãos…o que vale é que não sou uma pessoa que tenha assim nojo.
Sujeito A: É tudo natural!
Sujeito B: Exacto, exacto. Ah tão quentinho o café, esta terra é gelada, pior que a nossa. Devia ter vindo melhor agasalhada.
Sujeito A: Sim, já sabias que era assim, não vieste cá muita vez?
Sujeito B: Sim, sim. Quando era miúda vinha muito com os meus pais. Era engraçado, visitar castelos com eles, subi-los cheia de coragem e orgulho de mim própria e depois ficar lá em cima a chorar com medo de descer…(esboça um sorriso)
Sujeito A: A sério? Típico. Há bocado também estavas muito corajosa a tirar fotos aos cemitérios, às campas e depois toco-te no ombro e gritas (ri-se).
Sujeito B: Oh, não foi por estar num cemitério, ia-me assustar estivesse onde estivesse sim?!
Sujeito A: Sim, sim, mas porquê entrar lá, porquê a curiosidade?
Sujeito B: Não sei…acho os cemitérios muito bonitos, pacíficos, obviamente. Gosto de ver os que lá habitam. Ver as caras, os nomes, as datas, o que está escrito nas lajes…
Sujeito A: És mórbida…
Sujeito B: Nada disso, nada disso. É uma realidade ou não? Uma certeza, a única talvez…
Sujeito A: Sim mas…
Sujeito B: E reparaste na quantidade de pessoas que lá estavam que morreram no ano em que nós nascemos?
Sujeito A: Não estás a pensar falar sobre reencarnação pois não?
Sujeito B: Não, estou só a comentar dois factos, não a relacionar ou conjugar. Coincidências.
(Sujeito A tira toda a parafernália necessária para enrolar um cigarro)
Sujeito B: Pode-se fumar aqui?
Sujeito A: A mesa tem cinzeiro.
Sujeito B: Mas está ali um sinal a dizer que é proibido…oh, mas se disserem alguma coisa dizes que vimos o cinzeiro e pensámos que se podia fumar.
(Sujeito B tira um maço de Marlboro)
Sujeito A: (Com o filtro no canto da boca) Então e quando morreres que queres que grave na tua lápide?
Sujeito B: Depois eu é que sou mórbida?!
Sujeito A: Desculpa, é uma realidade!
Sujeito B: Engraçadinho, que engraçadinho. Eu respondo, mesmo sabendo que tu vais morrer primeiro porque és mais velho, homem e tratas-te pior do que eu!
Sujeito A: Tche que generalização!
Sujeito B: Bem acho que é redutor da minha vida se tudo o que tiverem a dizer for: “Esposa, mãe, avó amada e dedicada.” Por isso, aponta.
Sujeito A: Estás a falar a sério??
Sujeito B: Estás-me a ver a rir?! (Rindo-se)
Sujeito A: Por acaso sim, mas espera…
(Volta com um guardanapo e uma caneta)
Sujeito A: Força!
Sujeito B: “Espírito livre, carreira brilhante, vencedora de um (ou mais, logo se vê) Óscar, três globos de ouro, (depois revemos o resto dos prémios), companheira de vida fiel, apaixonada e apaixonante, mãe exemplar (do seu filho único), melhor avó do mundo…”
Sujeito A: Pára, pára já não tenho espaço no guardanapo! Acho que só falta acrescentar: extremamente humilde não?
(Risos)
(sujeito B sopra fumo propositadamente para a cara de sujeito A)
Sujeito A: Sim, isso afecta-me imenso porque eu nem sequer fumo não é?
Sujeito B: Não fumas esta marca! Ah ah Olha já reparaste que está ali uma guitarra? Pergunta lá se podes tocar…
Sujeito A: Queres que te faça uma serenata aqui é? Senhora espírito livre?
Sujeito B: Vá lá…
(Sujeito A levanta-se volta a aparecer com a guitarra)
Sujeito A: Acho que não vou poder fazer-te a serenata…
Sujeito B: Então?! Está desafinada?
Sujeito A: Não sei…
Sujeito B: Então? Então?
Sujeito A: É uma guitarra para esquerdinos! Repara, tem as cordas trocadas, anda cá, senta-te ao pé de mim, experimenta.
Sujeito B: Que estranho! Assim aprendem os acordes da mesma maneira que os destros.
Sujeito A: Se continuares a tentar tocar vamos ser expulsos daqui!
Sujeito B: Ah ah ah experimenta tu então!
Sujeito A: Não, não vou estragar a minha reputação.
Sujeito B: Qual?
Sujeito C: Olhem, desculpem, mas não se pode fumar aqui.
Sujeito A: Desculpe, é que como a mesa tinha um cinzeiro afinal era mesmo decorativo, vês, eu tinha-te dito! (ri-se de maneira matreira)
(Sujeito B abre a boca esboçando um sorriso espantada perante a acusação falsa)
Sujeito A: Hum…é possível levar o café?
Sujeito C: Ah…temos copos de plástico
Sujeito B: Pode ser, pode ser.
Sujeito C: Volto já então.
Sujeito A: Café sem cigarros…
Sujeito B: Não é café. E cigarros sem café…
Sujeito A: Não são cigarros…
(Levantam-se, sujeito A coloca o braço sobre sujeito B, caminham para a porta do café, param na saída, beijam-se, fumam, dão um gole no café e continuam andar. Simetria total)
Laura Silva

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